quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Entrevista a Escritra/Ensaio nº 5,1978 *


* O título está exatamente
como colocado no livro.
 

Entrevista concedida a Maria Te
reza Ribeiro

Um assunto extremamente importante é abordado nesta entrevista: o papel da mulher na sociedade de hoje. Lula afirma que a luta da mulher deve ser conduzida em comum com a do homem, “porque não existem dois tipos de exploração”. Segundo ele, “existe apenas um grupo de trabalhadores, homens ou mulheres, sendo explorados por um patrão”. Não nega porém que, por ser considerada uma força de trabalho secundária, a mulher é mais explorada do que o homem. Daí, admite existirem algumas reivindicações específicas da mulher.
Além desses aspectos, apresenta suas opiniões sobre a atividade doméstica da mulher e seu trabalho fora de casa, o controle da natalidade, o aborto, o machismo e o movimento feminista.

- Como se coloca a mulher trabalhadora na luta por melhores salários e melhores condições de emprego?   - Há testemunho dos próprios homens de que as mulheres estão com muito mais coragem de brigar do que os homens. E ainda: isso é importantíssimo porque elas são um estímulo para que os companheiros trabalhadores continuem brigando. Eu acho que a participação da mulher sempre foi e continuará sendo efetivamente igual ou melhor do que a do próprio homem, em qualquer tipo de luta que a gente trave em termos de classe trabalhadora.

 - Por que você diz que a participação da mulher é um estímulo para o homem?  - Porque a mulher sempre foi tida como o sexo fraco. Acho que em termos de luta de classes ela tem demonstrado exatamente o contrário. A mulher tem tanto ou mais valor que o homem na hora de ir para a briga. A gente tem que aceitar como verdade que a mulher do trabalhador, a esposa do trabalhador é, na verdade, um estímulo para o marido continuar na briga porque, se a mulher for contrária, o marido tende a fraquejar. Se a mulher for favorável, o marido tende a se tornar um baluarte na luta. E a gente tem tido em greves aqui na região alguns casos interessantes. Tivemos o caso de uma mulher que chamou o marido dela de covarde porque estava tentando fraquejar, não estava querendo participar da briga. Então eu acho que a mulher tem um papel preponderante, sabe, nas decisões do homem.

- A mulher trabalhadora tem, naturalmente, reivindicações próprias. Sua luta, por isso seria diferente da do homem?  - Acho que em termos de classe trabalhadora a luta deve ser comum, única, porque não existem dois tipos de exploração. Existe apenas um grupo de trabalhadores, homens ou mulheres, sendo explorados por um patrão. Eu acho que a luta se fixa aí.

- Mas há lugares em que a mulher faz o mesmo trabalho que o homem e tem remuneração inferior.  - É, existem dois aspectos ai. Primeiro, a mulher sofre as consequências do hábito da terra, não é, do hábito do país. Aqui ela é uma força de trabalho secundária, ela trabalha normalmente parta ajudar alguém, o marido, a casa e tal, não é aquela força colocada em primeiro plano, como o homem. Então, as empresas exploram muito esses aspecto, não é, elas contratam uma mulher para fazer o mesmo serviço que o homem pagando muito menos. Por outro lado, as empresas – a grande maioria delas – não estão adaptadas para ter mulheres, porque o banheiro de um homem não é igual ao banheiro de mulher. Não existe nada preparado especificamente para um trabalho feminino, um negócio mais asseado (?). É, são poucas as empresas que têm sanitário preparado exatamente para a mulher usar. Então, eu acho que existem algumas reivindicações especificas da mulher, mas o grosso da briga da mulher trabalhadora é o mesmo que o do homem. Não existe diferença.

 - O fato de ter uma atividade doméstica além de trabalhar fora influi na participação da mulher na luta dos trabalhadores? - Acho que influi, que cansa muito a mulher. Ela é muito mais judiada que o homem porque, além das tarefas domésticas, caseiras, tem o trabalho. E o trabalho doméstico é mais cansativo até do que muitos trabalhos de fábricas, porque é um trabalho muito repetitivo, quer dizer, e a mesma coisa todo dia, toda hora. Passam meses, anos, décadas, e a mulher fazendo o mesmo serviço. É enjoativo demais. Aí eu tiro pela minha mulher, né? Tenho certeza que ela preferiria estar numa fábrica a estar aturando a limpeza da casa, a bagunça que os moleques fazem.  Grande engano para quem, um dia, trabalhadou em uma fábrica, pois não há nada mais repetitivo do que o trabalho de um operário.

- Você acha que a mulher deve trabalhar?  - Eu acho que deve trabalhar. Veja, há dois aspectos que eu costumo analisar. Por exemplo, minha mulher trabalhou até nascer a criança. A partir do momento que ficou com três filhos, era impossível trabalhar. Portanto, enquanto tiver disponibilidade, a mulher deve trabalhar. O que eu acho é que os filhos não devem ser sacarificados, a educação do filho não deve ser sacrificada pelo problema do trabalho da mulher, sabe? Então, quando a pessoa trabalha por prazer é uma coisa, o duro é quando a mulher tem que trabalhar para sobreviver, porque ela coloca em risco a formação da criança. As crianças precisam mais das mães justamente nos primeiros anos de vida, né? Acho que toda mulher deveria evitar trabalhar na época da amamentação do filho, aquele negócio todo. Ou então, ao invés de ela evitar trabalhar, as empresas poderiam se aparelhar para receber a mulher que tivesse concebido um filho há poucos meses.

- Nesse sentido, como é que está a situação das creches?  - Depois do Congresso da Mulher Metalúrgica, o sindicato denunciou isso e passou a reivindicar a construção de creches, no máximo num raio de um quilômetro do local de trabalho. Mas isso não tem acontecido, porque a lei permite às empresas fazerem convênio e não existe a menor atenção à mulher.  Mudou alguma coisa depois de tantos de L.I. na presidência do país?

-As mulheres sabem que têm direito às creches?  - Há um fato muito gozado: quando a gente ganhou a estabilidade da mulher gestante, isso virou faca de dois gumes. Porque aí, quando a mulher que está grávida quer ser mandada embora, a empresa fala: Olha, não mando embora porque o sindicado não deixa. Nós já tivemos caso aqui de mulher que veio vazando leite, dizendo pra nós: Eu quero ser manda embora, não posso trabalhar, meu filho precisa mamar de duas em duas horas e como é que eu vou dar lei pro moleque? Nesse caso, o sindicato e que tem que cavar para a mulher ser mandada embora. O certo é ter creche dentro da empresa, um berçário para a mulher ir lá de duas em duas horas amamentar o filho. Quando muito a criança mama 15, 20 minutos. Não seria tão prejudicial para as empresas, que elas não pudessem ter creche dentro.

- Como você vê o controle da natalidade?  - E sou contra o controle da natalidade aqui no Brasil, que vive ainda com ¾ da sua extensão territorial ainda por ser habitada. Eu acho que a mulher trabalhadora tem tanto direito de ter filho quanto a mulher que não é trabalhadora, sabe? A arte de ter filho é uma coisa tão sagrada que eu acho que não deve ser proibida por lei.
- Não é melhor ela não ter cinco filhos do que deixá-los passar fome?  - Eu acho que a questão é educar o povo para não ter muitos filhos (?), não proibir. A formação cultural de um povo é que permite que ele tenha um filho ou 20. É uma questão de consciência, não só da mulher, mas do homem também, porque a mulher sozinha não gera um filho e, hoje, um homem sozinho já gera, é só usar o laboratório. Os nenês de proveta estão aí, porra. Então, a conscientização tem que ser muito mais do homem do que da própria mulher (?). E há inúmeros meios de se evitar filhos sem prejudicar a saúde da mulher como se prejudica hoje, tomando anticoncepcionais ou coisa parecida. Se eu tivesse condições de criar, de ter gente pra ajudar a educar, aquele negócio todo, eu seria um cara que tentaria convencer minha mulher - ela também adora criança e, como diz o matuto, minha mulher é boa parideira (?).Se a gente vivesse como há 20 anos atrás, com terrenos enormes, sem essa loucura que é hoje, eu seria um cara que teria pelo menos uns dez filhos. Quanta bobagem!  Ninguém controla o corpo de uma mulher, a não ela mesma, a não ser  quando é controlado por sua própria estupidez.
- O que você acha da legalização do aborto?   - Eu posso até ser mal interpretado, sabe, mas sou contra a legalização do aborto. Sou contra a legalização do aborto. Sou contra por dois aspectos, espera aí, sou contra não, minto, minto, minto. Eu sou a favor do aborto. Primeiro porque eu acho que a pessoa pode cometer um erro. Às vezes, nascer a criança é muito mais prejudicial do que praticar o aborto. O que não adiante é a coisa ficar na clandestinidade e acontecerem milhões de casos. Muitas vezes as pessoas perdem a vida arriscando-se a tomar remédios inadequados, arriscando-se a se tratar com pessoas incapacitadas. Então, seria muito melhor legalizar isso, sabe, dar condição de salvar pelo menos a vidas mãe. Para evitar que as mulheres tomem remédios feitos em casa, tentem ir atrás de feiticeiros, de chá de cobra, de enfermeiros, de parteiros, sei lá. O ideal seria que não precisasse ninguém abortar, mas, como existe essa necessidade, o aborto deveria ser legalizado.  Esse seu comentário atrapalhado sou contra e sou a  favor,  lembra um comentário feito por jornalista que fala sobre sua forma de se comportar na época de sindicalista. Dependendo do assunto, antes de discursar, ele colocava duas ou mais pessoas na ‘linha de frente’. Elas dariam opiniões contraditórias, rapidamente, enquanto ele observava a reação dos ouvintes para saber exatamente o que deveria dizer para ser bem aceito em seguida.

- O que você acha do machismo?  - Olha, eu acho que sou machista, e me orgulho disso, sabe? Penso eu o homem não é um ser superior à mulher. Mas ele tem que preservar certas coisas, né? Por exemplo, eu não aceito, por Deus do céu, esse negócio de muita liberdade com mulher minha. Quando eu era noivo, eu nunca fui chegado a ir num lugar e vir outro e abraçar minha mulher, beijar minha mulher, sabe? Eu procuro defender aquilo que é meu. Sabe, eu nem sei se isso é machismo, acho que é a arte de gostar. Quer dizer, eu, mesmo quando não tinha caso mais sério com uma mulher, sempre fui chamado de machista. Se ela não quisesse mais nada, então fosse embora, porque eu não sou chegado a - como se fala? – dividir. Nada daquilo que eu considero meu, principalmente em se tratando de mulher, eu gosto de dividir. Bem, portanto, eu sou machista, sou ciumento, eu não gosto que minha mulher fique zanzando não, não tem esse negócio de ir a festinha sozinha, não tem nada disso. E eu gosto que minha mulher seja assim comigo. Minha mulher é ciumenta, eu sou ciumento, acho que isso integra muito a gente., faz sentir que a gente quer tomar conta um do outro. O que não pode é  largar, como muita larga aí, né, e quando vai tentar pegar já não tem mais. Se isso é ser machista, eu sou machista. Penso que tem que ser dividida a responsabilidade: nem a mulher tem que ser mais do que o homem, e muitas vezes querem ser, nem o homem tem que ser mais do a mulher. Eu, por exemplo, quando minha mulher trabalhava, ela não sabia quanto eu ganhava; e ainda hoje é assim. Não que eu negue pra ela, é que nunca houve necessidade de eu contar. Se ela quiser saber, não tem problema nenhum. Minha mulher, por exemplo, não me pede dinheiro, nunca me pediu. Minha mulher é incapaz de mexer na minha carteira. Se eu mandar minha mulher abrir minha carteira, ela ao abre, sabe, ela pega para eu abrir. Portanto, num casal deve existir entendimento, isto é, nenhum querer ser mais do que o outro, nenhum querer dar provas de que é melhor do que o outro. Os dois unidos serão muito mais fortes do que os dois divididos. Então, se o marido e a mulher trabalham, no fim do mês devem juntar os dois pagamentos, parar as contas e ver o que sobra ou o que falta.
-O que você acha do movimento feminista?  - Não entendo bem o que é o movimento feminista, eu não sei qual é o seu objetivo. Penso que a mulher poder ser advogada, pode ser médica, um montão de coisas. Agora, você querer que uma mulher trabalhe numa picareta no meio da rua, pé querer acabar com a meiguice feminina. Deve existir alguma coisa na mulher pra cativar o homem. Assim, se você pega uma mulher de macacão no meio da rua, qual é o homem que vai sentir alguma atração por ela? E a mulher tem outros problemas: uma mulher que está amamentando um filho não pode estar na rua cavando buraco. Entretanto,o homem pode, o homem está livre disso. Daí eu achar que em algumas profissões a mulher tem condição de ser muito superior ao homem. Ela tem dado demonstração de que pode, entende? Agora, o que a gente percebe é que algumas feministas, com esse negócio de deixar o cabelo do sovaco crescer, são ridículas , né? Acho que é até questão de higiene. Tenho medo de que esse negócio de feminismo em algumas pessoas seja frustração, sabe? Agora, a mulher deve brigar pela independência dela, é o mínimo que pode fazer. Ela precisa começar a brigar dentro do lar dela, com os pais dela, precisa começar a brigar dentro do seu trabalho pra ser igual aos homens.

 - Qual a mulher ideal para você? - A minha.
 
- Você gosta de ser homem?  - Se eu tivesse que nascer outra vez eu gostaria de nascer homem. Acho que é melhor ser homem.
- Por quê?  - Por vários aspectos, sabe? O homem não tem a preocupação de ficar grávido, o homem não tem determinadas preocupações que são próprias da fêmea.

- Quantos filhos você tem?  - Três homens. Um de sete, outro de quatro anos e um de três meses. L.I. não citou a outra filha Lurian, que foi ‘descoberta’ pelos marketeiros da campanha de Collor, mas nem por isso ela deixou de se aproveitar das oportunidades oferecidas pelo pai quando se tornou presidente.  Além disso,  aí está a falsidade de L.I.:  para se fazer de bom moço, endeusou a maternidade, enquanto ignorava a filha que já havia nascido sem sua ""autorização""" .

 - Sua mulher trabalha em casa, não é, cuidando dos três filhos. Que você acha do trabalho dela?  - Olha, eu sinto muita pena do trabalho de minha mulher. Primeiro, porque a gente não pode ter empregada; segundo, porque eu chego em caso e sinto, na fisionomia da minha mulher, que está mais cansada do que qual quer operário que trabalhou o ia inteiro na fábrica. Porque não é brincadeira, não, cuidar da casa, lavar roupa, dar mamadeira, trocar a molecada. Realmente é um trabalho que cansa muito mais que numa fábrica. O trabalho que a mulher tem dentre do lar é muito mais dignificante que qualquer trabalho que outra pessoa possa fazer.

- O trabalho dela e tão importante quanto o seu?  - É mais importante que o meu. Sabe, o dela é a arte da agüentação, que eu não tenho aqui no sindicato, porque eu convivo com muitas pessoas, atendo muita gente, não fico bitolado e, em casa a mulher fica bitolada.

- Você acha que o trabalho de sua mulher é uma condição para que o seu possa existir, já que se preocupa com a casa?  - É, eu acho que é. Eu acho o seguinte: a minha mulher, se fosse pra ser remunerada, deveria ganhar até mais do que eu. Não só minha mulher. Qualquer mulher que cuida de um lar deveria ter um salário. A gente fala que é a mulher, mas, na verdade, as mulheres são tratadas como empregadas. São, porque, veja o problema da minha mulher. Eu saio de casa às 8 da manhã e chego em casa à meia-noite, todo dia. Quer dizer, chego em casa pra tomar banho, trocar de roupa, deixar roupa pra ela, sabe, e saio no outro dia de manhã. Não atenho tempo de brincar com as crianças, não tenho tempo de pegar a molecada no colo, quer dizer,praticamente eu só vou lá pra comer e trocar de roupa.
         Ainda aos domingos eu tenho eu tenho que receber jornalista, tenho que sair não sei pra quê, é aquele negócio todo. Na prática , minha mulher não precisa pedir dinheiro nenhum, porque eu vou deixando dinheiro em casa. O meu salário teria que ser dividido: X é teu e X é meu. Não ia mudar nada o tratamento pra com ela. Mas, lamentavelmente, a coisa não é desse jeito, a formação cultural de todo brasileiro ainda não evoluiu a ponto de o cara entender melhor o trabalho caseiro.Ele desvaloriza muito esse tipo de trabalho e eu digo isso porque, às vezes, sou obrigado a ficar em casa, né? Quando minha mulher foi ter o último filho, eu fiquei em casa com os dois moleques. Aí eu realmente fiquei sabendo o que é ser mãe, o que é tomar conta de uma casa.

 - Como é a educação de seus filhos?  - É um dos motivos pelo qual eu estou pensando seriamente em largar o sindicato. É que eu percebo que meus filhos sentem muito a minha falta. Acho que estou dando muita responsabilidade à minha mulher quanto à educação deles, quando eu deveria repartir essa responsabilidade. E não reparto não porque não quero, não reparto porque não estou tendo tempo de repartir esse tempo com minha esposa. Isso pode atrapalhar o crescimento das crianças, a educação delas, e eu preciso ajudar.


* Devido a um lapso involuntário,
esta entrevista foi incluída entre as de l979.
Sua publicação, na realidade,
ocorreu em 1978. (N.E.)
ESTA OBSERVAÇÃO ESTÁ NO LIVRO)


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