domingo, 8 de novembro de 2009

ENTREVISTA ao jornal 'Movimento'





Quatro dias depois da intervenção nos sindicatos do ABC, os metalúrgicos, reunidos em assembléia, votaram pelo retorno ao trabalho por um prazo de 45 dias.

Durante esse período as negociações entre patrões e operários deveriam continuar e, ao final, caso as reivindicações dos trabalhadores não fossem atendidas de forma satisfatória, novamente a greve seria decretada.

Foi durante esse período que Lula concedeu esta entrevista. Nela, diz em que se baseava para afirmar, com convicção, que as reivindicações dos trabalhadores seriam atendidas e por que tinha certeza absoluta na volta da diretoria afastada. Analisa a evolução do movimento diante dos fatos que ocorreram entre as assembléias do dia 22 e do dia 27 de março e explica porque, em dado momento, a coordenação da greve deixou de dar ênfase à reivindicação do delegado sindical. Mostra também o que ocorreu com o movimento logo após a intervenção e fala do fundo de greve.



- Ao propor ao pessoal que voltasse ao trabalho e ao dizer que tinha certeza de que as reivindicações serão atendidas, você estava se baseando em compromissos concretos assumidos pelo ministro do Trabalho e pelos empresário?   Os dirigentes da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) estão dizendo que não assumiram nada.  - Eu não falei aquilo em atermos de ministro, nem em termos de FIESP. Eu falei aquilo em termos de luta da classe trabalhadora. Falei pensando que os trabalhadores vão conseguir isso porque nos temos condições de conseguir. Basta que sentemos novamente numa mesa de negociações e vamos ver se os caras vão pagar pra ver outra vez.




- O que você acha das notícias de que as empresas estão dispensando muita gente e que não estão pagando os dias parados?  - A minha impressão é que parece que não houve a informação a todas as empresas. Conversei com o Dr. Maurício (advogado dos sindicato) para ele entrar em contato com todas as empresas, com a a FIESP, com o ministro do Trabalho, para resolver esse problema. Para nós, o que interessa é que os trabalhadores sejam readmitidos nas indústrias.




- Os empresários sempre se comprometem a não dispensar ninguém, mas no final de algum tempo acabam dispensando as lideranças mais conhecidas, tal como aconteceu nas greves anteriores. Que tipo de arma vocês têm para conter essa dispensa ?  - Eu acho que só existe uma arma. Se os empresários continuarem mandando gente embora, o que temos que fazer é parar outra vez. Eu acho que a principal coisa e a normalização do sindicato, para os operários poderem usar seu instrumento legal. TA: OS EMPRESÁRIOS dispensavam AS LIDERANÇAS MAIS CONHECIDAS, por que, ao ivés  talhar, eles usavam o tempo de serviço aliciando operários para greve.)
- Você acha que há uma real possibilidade de você, da sua diretoria, voltarem para o sindicato?  - Eu tenho certeza absoluta disso.


- É uma certeza pessoal?   - É uma certeza pessoal baseada em alguns dados concretos. Eu não tenho dúvidas de que se não houver essa volta dentro de um determinado tempo, os trabalhadores pararão novamente para exigir a volta da diretoria. E é lógico que há pessoas negociando a volta.


- Qual a diferença entre a situação do dia 22, quando se propôs a continuidade da greve, e a do dia 27, data da última assembléia, quando se resolveu voltar ao trabalho ?  Você acha que os trabalhadores dariam um passo atrás se tivessem decidido parar a greve dia 22 ?    - Entre as duas assembléias aconteceram mil e uma coisas, a situação não era a mesma. Quem disser que era a mesma coisa é porque não enxergou o que aconteceu depois daquela nossa recusa, com o fato culminante da intervenção no sindicato. O fim da intervenção passou, então, a ser a maior reivindicação dos trabalhadores. Outra coisa que aconteceu é que naquele outro acordo, eles queriam que os dias de greve fossem descontados parceladamente e agora os dias vão ser pagos, enquanto se negocia se vai haver ou não o desconto.


A sua opinião é que os dias de greve não vão ser descontados ?  - Eu acho que a possibilidade é essa e a gente já começa a negociar outra vez. Para mim, a coisa está na estaca zero. A gente vai começar tudo outra vez.


- Mas é uma situação mais favorável do que antes da intervenção?  A greve foi uma coisa muito dinâmica e parece que as reivindicações foram modificando sua importância na medida em que a greve se desenvolvia. Na última assembléia, não se falou na reivindicação que pedia estabilidade para os delegados sindicais que, segundo os patrões, foi o que originou a greve.  - Esta é a teoria dos patrões. Eles usaram muito bem isso. O trabalhador não ia fazer greve só por causa do delegado sindical. Os patrões tentaram usar o delegado sindical, que é uma coisa não muito conhecida dos trabalhadores, como motivo da greve, exatamente para desarticular a greve.

- Como é que você encara então o problema do delegado sindical?  - Da mesma forma como encarávamos antes da greve, antes da intervenção. Eu tenho consciência de que o delegado sindical é a coisa mais importante, ao nível do sindicato. Ao nível da categoria, não é.

- O presidente da Volkswagem , durante a greve, acusou o movimento de estar sendo manipulado por uma minoria, e disse que na Alemanha, para se decidir uma greve, é necessário que haja uma votação de dois terços dos associados.  - Eu acho que a pequena minoria a que ele quer se referir é a seguinte: a minoria de 100.000 trabalhadores em greve (são manipulados, não decidem) levados. Aqui no Brasil, os estatutos também falam em votação. Mas a democracia que nós seguimos no Estádio da Vila Euclides é muito melhor do que a que está na lei.

Após a intervenção no sindicato, a greve continuou, mas houve uma desorganização muito grande.  Vocês esperavam isso?  A greve foi muito abalalda com a intervenção?    A partir da intervenção, o trabalhador ficou órfão de pai e mãe, ficou fazendo as coisas mais pela rua, cada um ficou fazendo o que tinha em sua cabeça. Não havia lugar para encontro, para reunião, para nada. Aquela assembléia de sábado, que tomou posição extraordinária, foi uma das assembléias mais desorganizadas. Saiu pancadaria, todo mundo correu. Em função disso, no domingo, a gente assumiu a coisa.


- Mas vocês não achavam que a greve seria muito difícil com a intervenção no sindicato?   - Estávamos tranqüilos que ia ser difícil (ATO FALHO ?). O que a gente tem que olhar é o seguinte: é que existe uma diretoria que vinha fazendo um trabalhão há muito tempo e que em cima dela é que estava calcado tudo aquilo que aconteceu. Desde o momento e que a diretoria saiu da jogada, não seria a comissão de salário que iria conseguir articular uma assembléia de 80 000 trabalhadores . Se fosse uma assembléia de 100 trabalhadores tudo bem. Mas era uma assembléia de quase toda a categoria, então tinha que ter pessoas mais conhecidas, para poder rearticular a coisa . Foi em função disso que eu assumi o comando da greve no domingo, para não deixar que ela descambasse. Porque aí os aproveitadores começaram a aparecer aos montes.

- Vocês levantam há muito tempo a bandeira da autonomia sindical. Conhecendo a legislação trabalhista e o direito que ela dá ao governo de chegar no meio de uma greve dessas e tomar o sindicato, vocês não acham que foi um risco grande essa greve estar calcada cem por cento no trabalho da diretoria?   - Mesmo com a intervenção, a gente passou a se convocar para a assembléia sem boletim. Passou sexta, sábado, domingo, segunda e, na terça-feira, fizemos uma assembléia com 70 000 trabalhadores.

- Mas parece que houve um período de vácuo após a intervenção.   - Houve um período de vácuo, mas não de volta ao trabalho. Houve um período de não participação porque não havia nada convocado.

- Na medida em que o pessoal soube que você voltou, a situação ficou mais tranqüila.  - É, a preocupação do pessoal era saber onde eu estava, se eu estava preso. Quando percebi que isso podia atrapalhar o movimento, então resolvi voltar, inclusive colocando o pescoço na guilhotina, porque aí eu estava cassado e não era fácil voltar e assumir o comando da greve.


- Vocês estavam acompanhando as dificuldades das empresas pra ver quem tinha maior poder de resistência?  - A gente sabia que as coisas não estavam bem para eles, mas eu acho que os patrões têm maior poder de resistência do que a gente. Uma empresa como a Volkswagen, ou como a Ford, agüenta um mês de greve. Eles agüentam porque recebem subsídio do governo, financiamento. Mas nós não temos nada. A partir de um determinado dia o trabalhador começa a medir o tempo que está parado. Ele já começa a pensar: dia 10, o que é que eu vou receber Se a gente tivesse um fundo de greve, tudo bem, mas a gente ainda não tem. Por isso chega um determinado momento em que a gente tem que saber a hora certa de parar, para a categoria não começar a afundar.


- O que você teria a dizer para o pessoal que, no Brasil inteiro, se mobilizou em apoio à greve do ABC?  - Eu acho que esse pessoal precisa continuar se mobilizando, porque o fundo de greve não é uma coisa criada apenas durante a greve. Tem que ser um fundo que sirva para ajudar os sindicatos que fazem greve, um fundo para atender cada emergência. Amanhã, se um sindicato lá em Pernambuco entrar em greve, ou lá em Alagoas, tem que existir um fundo preparado para ajudar esse pessoal.

- Você disse, na última assembléia, que iria atender os trabalhadores na Matriz de São Bernardo. Então, o Sindicato vai funcionar lá?   - Não, o sindicato está funcionando na rua João Basso. Mas a diretoria que foi cassada vai continuar conversando com os trabalhadores na Matriz de São Bernardo.



Movimento, 2 a 4 de abril de l979.
Entrevista concedida a Tânia Angarini e Marcos Gomes




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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

ENTREVISTA com Xênia Bier – Revista Especial


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Nesta entrevista Lula aborda problemas muito diversos, mas que mantêm entre si uma profunda relação: a situação da classe trabalhadora, que procura meios de se organizar e lutar por seus direitos. Provocado por questões às vezes agressivas, mas sempre inteligentes, Lula fala de seu ideal de fazer ‘política decente’, de sua visão da classe média – volúvel e por vezes pretensiosa, que “come mortadela arrotando peru” -, de sua esperança de que a classe trabalhadora possa agir “pelos seus próprios pés e pela sua própria cabeça, das multinacionais “que se sentem donas do Brasil”, do socialismo necessário “que está na cabeça do trabalhador”, etc.

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- Lula, você enfrentaria hoje os seus companheiros que discordam de você com a mesma coragem que enfrenta os patrões ?
- Tranqüilamente. Eu não me acho no direito, sabe, de agradar a todo mundo. O importante é aprender a conviver com as pessoas que discordam da gente. Agora, se eu tiver que levar uma proposta aos meus companheiros, mesmo sabendo que discordo, levo da mesma forma que sempre me veio, sem voltar atrás um milímetro sequer das posições que entendo são as justas. Acho que a minha posição, hoje, não permite atender muito a interesses pessoais. Hoje teria, como sempre tive, condições de levar as propostas, as discussões que eu entendesse que eram as boas para classe.

 - Olha, eu não sou metalúrgica, mas já fui operária. Eu faço questão de guardar dentro de mim a operária, senão me perco nessa coisa toda ilusória que está por aí, por eu estou na televisão mas continuo sendo uma pessoa que não se deslumbrou pelo status da televisão. Então eu te segui com muito amor e, de repente, estou um pouco triste com você, principalmente por esse envolvimento político. Eu me sinto traída e acho que muitos se sentem traídos também... Fundar um partido, entrar para a política, o trabalhador não deve entender isso como uma traição? Você não está passando para o" lado de lá"?
- Foi a necessidade de participação política dos trabalhadores que me levou a essa posição. Até o ano passado fui a pessoa mais apolítica que existe nesse país. Veja que ninguém mais do que eu comentou a corrupção, o modo de fazer política no Brasil. Entretanto, eu acho que estou pagando e vou pagar um preço pelo puritanismo com que eu defendi minha categoria. Até um determinado momento eu achava que nós não deveríamos participar em nada que viesse tirar os trabalhadores desse puritanismo; mas, depois de fazer um dos mais belos movimentos da classe trabalhadora que já se fez neste país, a gente percebeu que a classe política não estava sensível aos nossos problemas, que os partidos políticos não tinham tomado uma posição em relação à greve, nem tinham se manifestado em relação a nenhum grande problema nacional que nós enfrentamos durante os anos de arbítrio. Então cheguei à conclusão de que a classe trabalhadora não poderia pura e simplesmente chegar na época das eleições e dar seu voto às pessoas que se fantasiam de trabalhadores para pedir seu voto, oferecendo, às vezes, favores. Daí porque eu entendi que os trabalhadores precisavam se organizar politicamente. Para mim tá claro que a classe trabalhadora foi, e é ainda hoje, a que pagou por todos os erros dos governantes e das ostentações políticas deste país.

- Mas lula, não foi só a classe trabalhadora que sofreu...
- Mas nem passa pela nossa cabeça a idéia de que a sociedade só tem a gente, que só nós temos problemas. O governo conseguiu levar muita gente que não é trabalhadora de macacão para uma verdadeira proletização. Nós hoje vemos, em estado de miséria, algumas categorias que há cinco anos atrás poderiam ser consideradas de elite. Pega, por exemplo, bancários, profissionais liberais, professores, advogados que hoje se formam e vão ser vendedores ou coisa parecida. Daí a gente está tentando fazer um partido de massa, o partido das pessoas que direta ou indiretamente deve se subordinar ao regime de salário, como é o teu caso na televisão, como é o caso de outros artistas da televisão, que, mesmo parecendo que não são pessoas no nosso meio, ganham 8 a 10.000 cruzeiros por mês.

- Pode ter certeza que é a maioria.
- O conceito que até então a gente percebia era: é jornalista, é rico; é artista, é rico. E a gente, convivendo com eles, viu que afinal viviam tão desgraçadamente quanto nós. No meio artístico, por exemplo, nem todo o mundo é Francisco Cuoco, Tarcísio Meira ou Regina Duarte; a grande maioria vive em verdadeiro estado de miséria, ganhando até às vezes menos do que ganha um metalúrgico. E existem em nossa categoria pessoas que ganham 80 a 100.000 cruzeiros por mês e que não tem nada a ver com o grosso. Daí eu acho que se há frustração com a minha participação política da parte de setores de trabalhadores, há também outros setores que acham que eu deveria ter entrado na política há muito tempo. Nós precisamos provar ao Brasil e ao povo brasileiro que é possível fazer política decente no país.

- Você não acha isso muito romântico, não?
- Eu acho, como também as pessoas acharam romântico fazer uma greve em 78; como também as pessoas acharam romântico colocar 90.000 pessoas num campo de futebol a não ser um jogo do Corinthians e do Flamengo.

- Dizem que você será candidato a senador. Você acha que vai conseguir manter essa posição lá em cima, quando a gente também sabe que a política é a arte de enganar o próximo? - A gente vai mudar esse conceito através de nossa prática.- Aí volto outra vez ao seu romantismo.
- Mas nós vamos mudar. Eu acredito nisso! Diziam que fazer sindicalismo era o símbolo do peleguismo e alguns dirigentes sindicais deram demonstração de que não era preciso ser pelego para ser dirigente sindical, de que não era necessário andar de braço dado com patrão ou debaixo do sovaco do governo, de que é possível ser independente e fazer as coisas corretamente. Eu acho que na política a gente pode fazer isso. Agora uma outra coisa engraçada é que várias pessoas estão me lançando candidato a senador sem a minha procuração. Eu não sou candidato a coisíssima nenhuma.

- Eu vou te cobrar isso, heim?
- Eu sou candidato pura e simplesmente a tentar organizar politicamente a classe trabalhadora.

- Quando você unia todo o teu pessoal, você gritava alto e bom: "Este é um problema nosso, nós entendemos disso." e era uma coisa que eu gostava muito. Eu te chamava de intelectual orgânico por que você entendia profundamente tua classe, o meio de onde veio. Você dizia: "eu não vou admitir que ninguém venha fazer média em cima do nosso movimento”. No entanto, hoje você permite. Até a esquerda radical está envolvida com o PT.
- Não, eu acho que as duas coisas não se misturam. Mas os conceitos da gente vão mudando. Quando eu não tinha filho, eu morava com um irmão meu, o meu sobrinho era muito respondão. Eu achava muito ruim uma criança respondona, eu não admitia como é que um pai não metia a mão na orelha do moleque quando ele respondia para o mais velho. Hoje eu tenho um moleque de quatro anos que não fala comigo sem falar palavrão, e eu acho engraçado. Dá para perceber que os conceitos da gente vão mudando.

- Concessões!
- Conceito, não é concessão. Eu não abro mão um milímetro para a participação de ninguém que não seja da minha categoria. Não existe concessão a nível da luta específica para o da minha categoria. Nem tampouco haverá concessão da minha parte do plano político. Acontece que a política é uma coisa mais ampla e nós temos que aprender a conviver com a sociedade como ela é. Quando você falou de esquerda...

- Esse discurso é muito velho, eu não agüento mais!
- Você sabe que esse não é meu tipo de palavreado com frase de efeito. A esquerda festiva usa muito, mas você sabe que eu não compactuo com isso. Essa meninada que está aí é o resultado de um regime arbitrário. Temos que entender que essas pessoas fazem parte de uma sociedade da qual nós também fazemos parte e que, embora a gente não concorde, não é nosso papel denunciá-los como algumas têm denunciado. Eu acho que eles não deveriam ser presos nem torturadas por que dizem determinadas coisas. A sociedade é que deveria se encarregar de julgar, e daí minha tranqüilidade em conviver no meio de tanta confusão. Quando os trabalhadores entrarem na briga pra valer, não há esquerdinha, não há direitinha, não há esquerdóide que passe na frente da classe trabalhadora, por que ela não se deixa mais enganar. Essas pessoas podem estar participando do PT, como participam do PTB ou do PMDB, e tem esquerda em todo o lugar, menos do PDS. Nós precisamos criar um Brasil sem extremos, tanto de esquerda com de direita.

- Lula, você é um homem simples, um trabalhador. Você não se deixa deslumbrar pelo intelectual?
- Eu tenho um conceito sobre os intelectuais e... é lógico que dentro da intelectualidade você tem milhares de pessoas volúveis. É aquilo que a gente costuma chamar a amigo da esquerda na língua e da direita no bolso. E aí, veja, eu tenho muita convivência com intelectuais e conheço gente de extraordinária decência que nunca procurou, em nenhum instante, tentar fazer com que eu abrisse mão dos meus princípios. Existem pessoas boas dentro de todos os setores da sociedade, eu acho que dentro da área intelectual tem pessoas extraordinárias.


- Então você não se sente enfraquecido ou inibido frente ao intelectual?
- Ah, não, de jeito nenhum. Se há uma coisa que fez com que o sindicato chegasse até onde chegou é porque eu nunca me curvei diante...



- Lula!
- Eu acho que o trabalhador é igual a qualquer outra pessoa. Se alguém tiver que se curvar, são as outras pessoas em relação aos trabalhadores.





- Deixa eu te perguntar uma coisa. Quando Marx fez suas propostas criou-se um maniqueísmo, a má é a classe rica, e a boa a classe pobre. Depois o Henry Ford inventou a produção em série e com isso a classe média afluente. Então você fala do patronato, que seria rico, e você fala do operariado. E como é que fica a classe média?
- Eu acho a classe média muito volúvel e não gostaria que essas pessoas vissem isto como uma coisa ofensiva, mas no sentido de tentar conscientizá-las de uma coisa... a classe média tem dois automóveis, tem duas televisões a cores, mora num apartamento ou num sobrado, ostenta e esquece a classe trabalhadora. Isso é histórico no Brasil. Agora, eu acho que o governo cometeu um pecado capital quando praticamente dizimou a classe média. Daí que o Delfim Neto voltou exatamente para tentar enganar a classe média como enganou com o milagre brasileiro, sabe, dando universidade, dando privilégios. Eu acho possível uma unidade entre os setores da classe média que se tornaram proletários e uma classe trabalhadora que almeja melhorar sua situação.

- Você diz que a classe média é iludida e volúvel; você não acha que ela é, antes de tudo, muito angustiada pelo poder aquisitivo, nessa necessidade de manter as aparências?
- É por isso que eu a chamo de volúvel, porque muita gente come mortadela arrotando peru. E o trabalhador, desgraçado, ele não pode comer nem a mortadela nem o peru; de vez em quando ele come ovo e arrota ovo mesmo. Daí que eu acho que a classe trabalhadora tem muito mais o que dar para a classe média, a nível político.




- Mas não é perigoso endeusar a classe trabalhadora como se ela fosse uma coisa perfeita?
-Não, eu não estou fazendo nenhum elogio à classe trabalhadora. Em primeiro lugar é a classe que mais conheço; em segundo lugar, eu tenho certeza de que só haverá transformação da sociedade brasileira se a classe trabalhadora quiser que haja. Daí, como no mundo inteiro, historicamente, a classe trabalhadora é a propulsora das transformações que existem por aí.

- Sempre comandada por gabinetes.
- A minha briga é para que a classe trabalhadora não seja a massa de manobra nem de político, nem de governantes, nem de empresário. Ela tem de acertar e errar pelos seus próprios pés e pela sua própria cabeça. A gente sabe das coisas, o que a gente precisa é conseguir ganhar os espaços suficientes para começar a falar. Modéstia à parte, a gente já ganhou algum espacinho.





- Quando digo elite, eu não digo a financeira, mas a intelectual.
- Eu acho que a sabedoria que está dentro da cabeça de um trabalhador que tem uma experiência de vida de anos, é imensurável. Mas as vezes a pessoa não consegue colocar no papel aquilo que tem na cabeça. Isso acontece comigo e nada me impede que eu chame um assessor e a fale: " Olha, eu quero falar isso, isso, isso."


- Você é que está ficando de gabinete, não?
- Essa história de que eu estou esquecendo as bases, eu acho que é muito dos meus opositores; as coisas a gente prova é na prática, sabe? Eu não acho que faço concessão aos intelectuais e a nenhum setor da sociedade. Eu acho que eles têm o direito de participar em igualdade de condições e nós temos que discutir e levar em consideração aquilo que é a idéia de cada um. Daí que eu acho que não é concessão você participar junto com qualquer tipo de pessoa. Eu me reuni com dezenas de empresários, conversei com comandante do 2º exército, com o ex-ministro Petrônio Portela, com Simonsen, Delfim Neto, Reis Veloso, e nunca fiz concessão nenhuma; eu gostaria que ficasse bem declarado: o dia em que eu perceber que terei que abrir mão dos meus conceitos de honestidade, eu deixarei de fazer política.




- Roberto Carlos é o homem que mais vende discos no Brasil. Eu vejo a peãozada nas lojas dos supermercados comprando monte de discos Roberto Carlos. Eu não vejo nenhum comprar discos de Chico Buarque de Holanda. Se você acha que o pessoal está pronto a marchar pelas próprias pernas, como é que você explica este contrasenso?
- Bom, primeiro que você não vai medir a minha opinião, o nível político das pessoas, pelo disco de Roberto Carlos.




- Ah, meço!
- Não, porque se você for no sertão, você vê pessoas comprando discos de Tonico e Tinoco...


- Isto é sertão.
 - Se você entrar no meu carro você só ouve música caipira. Nem por isso sou atrasado, nem por isso eu penso menos.



- Ao contrário, eu acho que são raízes. Mas Tonico e Tinoco não são alienadores.
- Nem por isso as pessoas que gostam das músicas de Roberto Carlos deixam de ter idéias próprias. E inegavelmente o Roberto Carlos tem músicas gostosas de serem ouvidas.


- Tá fazendo a tua média...
- Não, veja. Eu tenho sérias restrições ao comportamento político de Roberto Carlos. Ele é um cara que, pelo nome que tem, deveria tomar posição política. A música dele não traz mensagem nenhuma política, é uma mensagem muito no dia-a-dia nosso, do cara que a namorada largou, do cara que a mulher botou chifre, do cara que botou chifre da mulher...



- E quando o Roberto Carlos entrou naquela campanha do Ano internacional da Criança? Não era o momento de passar alguma coisa? Ou não tem nada a ver?
- Eu acho que às vezes a gente peca por não tomar posições. A campanha do Roberto Carlos do ano 1 da criança, eu acho que são compromissos que ele tem com o outro alienador que é o Roberto Marinho. A programação da TV Globo é basicamente essa... daí minha bronca com Roberto Carlos e não só com ele, com Pelé também. Eu fiz críticas aos 2 porque eu acho que os homens da dimensão deles poderiam tomar posições não contra o governo, mas favoráveis ao povo.



- O Pelé poderia ser um intelectual orgânico da sua raça, como Cassius Clay o é.
- Eu acho que o Pelé poderia ser muito mais, eu não diria igual a Martin Luther King, mas ele poderia se espelhar naquilo que o King fazia, para ele fazer por seu povo.



- Me chocou muito que você tenha ido na boate Gallery, que e o templo da alta burguesia e da futilidade. Me chocou ver você com um colunista social tirar fotografias inclusive com a camiseta do Gallery. Não me vem com saídas de que "eu tenho que estar em todos os lugares". Estou cobrando essa traição.
- Olha, pus a camiseta, mas não vesti.


- É a mesma coisa.
- Você pega a reportagem, que não é isso. Veja, eu acho que carece de uma explicação.

- Carece mesmo.
- Primeiro, que você vê a matéria que está publicada naquela revista que está o Marlon Brando e aquela mulher lá pelada fazendo as coisas, você percebe que a reportagem não tem nada a ver com o Gallery. Eu fui contratado para fazer uma reportagem para a Manchete e passei dois dias inteirinhos fazendo essa reportagem. No segundo dia à noite eu tinha até uma reunião com os trabalhadores e quando terminei, eu convidei o repórter e fotógrafo para ir lá em casa tomar uma pinga.


- Mentira ! Você está tomando já muito o uísque.
- Eu tomo uísque . Não digo que eu não tomo uísque, não. Mas prefiro a pinga .

- Lula, como você está político!
- Minha mulher é quem pode te dizer... aí tomamos uma pinga e eles falaram: "Vamos jantar. Já que têm dinheiro para gastar, vamos gastar, que o dinheiro é da revista mesmo". Aí Marisa falou: "Você vai sozinho. Eu não posso ir que as crianças estão dormindo ". E fomos pra São Paulo mesmo. O cara falou: “Você tem problema de entrar num restaurante chique?” Olha, o dinheiro não é meu, certo? Eu entro em qualquer lugar. Aí passamos nessa boate aí do Gallery . Fomos lá, um negócio muito sofisticado, eu acredito que nunca um peão vai poder botar os pés ali. Não entendia nem o nome da comida, um cara pediu uma comida lá gostosa, eu comi, gostosa mesmo. Tomei um Cointreou, acho que era Cointreou, né?




- Você sabe que era .
- Eu sei que tomei uns três copinhos um atrás do outro. Quando vim embora, o dono, um rapaz novo, conversou comigo bastante tempo, um papo inclusive muito agradável, sabe? Eu acho que ele tinha alguma coisa na cabeça porque sabia do que estava falando. Depois ele me ofereceu as camisetas e eu peguei uma para mim, peguei pros meus três filhos e se tivesse mais teria pegado mais.

- Essas mordomias da burguesia não te deslumbram um pouco?
- Não. Eu estou muito calejado para isso, sabe ?

- Quantos anos você tem ?
- 34 anos.

- Não dá para calejar muito... as pessoas pensam que a corrupção é só financeira, mas eu tenho muito medo é da corrupção mental. De repente você começa a achar que a vida está mais fácil, está mais mansa e as coisas ficam bonitas, uma mulher muito bonita, um ambiente maravilhoso. Você está vacinado contra isso ?
- Estou. Na verdade, mulher bonita não aparece assim.

- Para Lula aparece.
- Não aparece... então, se aparecer, mostra aí!




- Vai que tu leva cascudo da tua mulher que tu vai ver!
- Eu sei ... Quando a gente está num processo de negociação coletiva, por exemplo, a gente janta nos melhores restaurantes, nos melhores hotéis, com os empregadores. Às vezes eles não querem descer até a gente e convocam a gente para ir no hotel Ca' D'oro por exemplo. Eu não tenho preconceito de vir aqui ou ir lá . O que me importa, o que está na minha cabeça é uma coisa: no dia em que eu tiver que mentir para os trabalhadores, eu largo, eu deixo de ser representante. Esse negócio não me ilude, esse negócio não me ilude, não me traz... não me atrai, no sentido de fazer com que eu desencaminhe a minha vida por causa de mulher.


- Quando esteve aqui o chanceler Helmut Schmidt você foi nas festas, parece que houve até quase o oferecimento das mulher de para você. E a história contra grandes revoluções e grandes quedas foram feitas na cama. Isso acontece, Lula?
- Eu não sei. Tem uns colunistas sociais... eu acho que os colunistas sociais deveriam arrumar o que fazer em primeiro lugar... Já saiu na coluna social que a Ruth Escobar queria casar comigo, que a Bruna Lombardi queria casar comigo... Deus do céu, se acontece de os grandes problemas serem resolvidos na cama, isso não acontece comigo. Nem os problemas meus e de minha mulher são resolvidos na cama, nem na cama que a gente conversa. Agora, esse negócio de patrão... eu acho que os patrões me conhecem muito bem e jamais fariam isso comigo. Sabem que eu não abriria mão nem um milímetro sequer dos meus princípios de honestidade por causa de mulher ou coisa parecida.




- Você sabe que é um símbolo sexual deste país ? Você sabe que inúmeras mulheres dizem para mim: "Ah! O Lula!" ? Como é que você, nesta carência masculina, quando o desbum está total, como é que você se sente sendo símbolo sexual deste país?
- Bom, primeiro estou tendo consciência de que eu...




- Não fica vermelho, rapaz!
- ... não sou esse símbolo sexual. Eu posso, quando muito, ser símbolo sexual para minha mulher.

- E para muitas mulheres do Brasil. E, por falar de mulher, outro dia eu perguntava ao Jânio Quadros por que a primeira-dama é sempre o objeto de adorno que o político tira da prateleira no momento em que precisa fazer a imagem da família. Me parece que você está entrando muito nessa, também. Você faz citação da sua mulher para compor uma imagem de família, que é a imagem que a sociedade aceita.
- Eu só falo quando me perguntam. Se você me pergunta sobre a minha mulher, eu respondo. Não acho que a mulher de político precisa ser esse negócio que você falou aí. A vida que a Marisa leva não permite que ela tenha uma participação... embora ela faça essas reivindicações, essas queixas de que eu deixo ela dentro de casa, de que eu saio muito. Eu acho que é claro também que nem sempre dá para ela me acompanhar. Do ponto de vista político é importante que ela vá comigo, mas, por outro lado, tem o problema dos filhos. Se o desgraçado do pai já não pode dar carinho, porque as atividades políticas dele não permitem, eu acho que os filhos não podem prescindir do carinho e do afeto na mãe. Eu sou talvez um pouco machista, mas não como as pessoas acham que sou... e a Marisa também tem consciência destes problemas, de que ela não pode andar atrás de mim, porque é incabível a gente arrumar uma pessoa, primeiro que eu não posso pagar empregada.

- Lula! ...
- Não posso pagar!

- Lula! ...
- Também não está na minha cabeça explorar ninguém. E aí é que eu fico puto com as posições de algumas mulheres que fazem isso aí: independente e esse negócio todo, sai para trabalhar fora, ganha 30 milhões por mês e paga a uma coitadinha 1500 para fazer em casa tudo aquilo que ela não gosta de fazer. Por que o mínimo que ela poderia fazer é o seguinte: ela vai trabalhar, para ganhar 30 com contos? Então, divida o salário com aquela que está em casa fazendo trabalho dela.


- E por que não divide também o que o serviço de casa com o marido?
- Seria até bonito e simpático, seria...


- Vem cá, menino. Você hoje tem uma posição de destaque. Não é perigoso o homem seguir como você seguiu e a mulher para ficar doméstica lá em casa, não compreendendo as passadas do marido? Não pode acontecer uma ruptura?
- Eu tenho consciência disso. A Marisa tem consciência disso. Agora eu acho que não chega a romper a vida de um casal se houver pé no chão.

- Mas você reconhece que é perigoso.
- Reconheço. Reconheço que a pessoa passa a viver num meio diferente do mundo dele. Mas eu tenho consciência de que, embora eu tenha chegado à posição que cheguei, no meio político, a única coisa que aprendi na vida foi ser torneiro mecânico. No dia em que eu sair do sindicato eu vou ser torneiro mecânico.

- Você acha que depois de todo esse desbum poderia voltar ao ramo?
- Eu tenho certeza, porque a única coisa que eu sei fazer. O respeito que os patrões têm com a gente é enquanto a gente está aqui numa posição de confronto com eles, mas, quando a gente sai do sindicato, são os primeiros a meter o pé na bunda da gente. Agora, eu sei que o Carlos Villares vai ter que me aturar doze meses lá dentro por que, quando eu sair do sindicato, a lei me garante doze meses.

- E a candidatura de senador?
- Não. Não existe isso .

- Houve todo uma euforia em torno do Leonel Brizola, como se ele simbolizasse a abertura, quando nós sabemos hoje que ele é apoiado por um grupo de empresários, quando sabemos que ele foi a necessidade do governo em certo momento, e que ele concedeu. Isso aconteceu com Lula? Lula foi uma necessidade do momento, uma concessão do governo?
- Olha, eu preferia que as pessoas de fora dissessem isso, porque eu sou suspeito. Veja, eu acredito que num determinado tempo a imprensa burguesa tentou me usar. Eles precisavam de uma abertura política e tentaram usar a imagem do Lula como um símbolo, até conseguir a abertura que interessava a eles.

- Essa mesma imprensa te massacra hoje?
- Eu acho que eles achavam que eu não passaria daquilo. Era maravilhoso levantar o Lula lá nas alturas, por que o Lula reivindicava apenas 10% de aumento. Hoje eu estou reivindicando uma coisa mais importante que isso; estou pedido transformação para uma sociedade brasileira onde não pode existir o rico e pobre. Por que não existe uma sociedade igualitária? Por que o dono do Estadão tem que ter tudo aquilo que tem e empregados dele não têm nada? Por que na Volkswagen os donos têm que ter tudo o que têm e os empregados não têem nada? Nada mais justo do que os empregados passarem a usufruir de todos os lucros que as empresas têm.

- E as multinacionais ?
- Olha, eu acho que num determinado tempo elas já foram benéficas e são benéficas ainda, se olharmos apenas para o lado da economia. Agora eu acho que faltou honestidade e um pouco de patriotismo para impor regras às multinacionais na altura em que entraram no Brasil. Hoje, essas empresas praticamente se sentem donas do Brasil, fazem o que bem entendem, mandam o lucro pra fora. O governo não tem nenhum controle, não tem peito sequer de as enfrentar. Então eu acho que, num determinado momento, a gente acabará com as multinacionais e irá nacionalizar todas essas empresas.

- Você acredita nisso? Mesmo nos EUA a multinacional é um câncer, ela é que manda.
- A sociedade americana é uma sociedade capitalista, onde cabe qualquer coisa. Mas numa sociedade socialista a coisa é um pouco diferente.

- Mas o que é uma sociedade socialista? Não é o velho e rançoso discurso, onde o trabalhador acaba sendo usado? Você acha que o Brezhnev vive como um trabalhador ?
- Eu não quero pegar o exemplo do Brezhnev, não sei nem falar o nome do cara aí. Eu quero é pegar o exemplo do Brasil. Eu acho que nós, brasileiros, temos que pleitear uma sociedade socialista e a forma que vai ser esse socialismo está na cabeça do trabalhador, não está em nenhum livro, não. O importante é que o trabalhador comece a entender que não é justo chegar ao fim do ano, ele não poder comprar um presente pro filho dele, enquanto o patrão compra tudo.

- Mas o presente do filho dele é da sociedade capitalista.
- Mas por que? Poderia ser de outra sociedade. Ou os trabalhadores socialistas também não dão presentes para os filhos? O que nós não podemos é ficar deslumbrados com o socialismo democrático, a social-democracia européia. Ah! Os alemães vivem bem, os suecos vivem bem - por que tudo provém das explorações que empresas alemães e suecas impõem aqui e no resto do mundo. Isso é que dá o luxo de pagar um bom salário para os trabalhadores deles, a miséria nossa. Agora, e no dia que não tiver mais Brasil para explorar?

- Lula, o reformista radical. Eu não gosto dele porque anula e abafa a individualidade. Eu estou falando da individualidade, não do individualismo na sociedade capitalista. Agora, eu tenho um pouco de medo desse socialismo que anula a individualidade.
- Quando eu digo socialismo, eu me refiro a uma sociedade justa, e igualitária, onde não existem exploradores e explorados, aquele negócio todo. Eu sinceramente não saberia dizer que modelo é esse, mas eu acho que o conjunto da sociedade brasileira, se discutisse isso, saberia encontrar uma solução.


- Aí é difícil o modelo.
- Mas eu acho que o consenso de uma discussão a nível nacional daria um modelo específico. O que eu acho que é incabível, por exemplo, é uma pessoa de 200.000 por mês pagar 2,3000 cruzeiros a um trabalhador, e ainda bota chefe para o convencer que é aquilo mesmo, que está bom.

- Lula, em toda minha vida de trabalho eu consegui um apartamento e um carro, os dois bem classe média decadente e a minha indenização que eu tenho agora. Eu te confesso que não gostaria de dividir isso como ninguém. Isso é feio?
- Eu acho que o que a gente consegue com um puta sacrifício, trabalhando, não é justo a gente dividir. Eu acho justo é que todos tenham esse mínimo que a gente tem. E não tirar de você, tirar de mim, tirar de outros companheiros que têm sua casa. Mas eu acho que tirar de quem tem 100 casas, isso é justo, porque não acredito que ninguém vivendo de salário tenha mais que uma casa. Nós temos que brigar para todo mundo ter aquele mínimo que a gente tem.

- Lula, tem um velho ditado brasileiro que diz "quem cu tem medo". Lula já teve medo?
- Eu já tive medo, sim. acho que até 75 eu era muito medroso. Depois desse ano, em que meu irmão foi preso e torturado, eu perdi o medo. A gente tem que ter na cabeça o seguinte: se a razão pela qual aconteceu aquilo valeu de alguma coisa para a coletividade, então eu acho que vale a pena qualquer sacrifício. A única coisa de que eu tenho medo é, às vezes, fazer propostas inconseqüentes e levar minha classe há uma luta inglória.


- Lula, como você vê a 'moderna' igreja? Eu não acredito nesse modernismo, porque se é moderno não pode ser padre.
- Eu não acredito na moderna igreja. Eu acho que a igreja como a instituição sempre esteve do lado dos poderosos. Agora, algumas pessoas da igreja tem posições maravilhosas.

- E o movimento da libertação feminina ? Você não acha que a mulher é oprimida? O homem é opressor da mulher, é ele que tem o poder aquisitivo?
- Não, eu não acho que o homem é opressor.

- Machão, porco chauvinista!
- Não, não acho. Nós temos que olhar todo um conceito que está formado e não depende do homem de hoje. Depende, historicamente, universalmente... O que você precisa entender é que não passa no homem esse conceito de que ele é o responsável da casa. Também está muito da mulher nisso. Muitas mulheres, a maioria, casam p’ra deixar de trabalhar, ter filho...

- Como sua esposa.
- Agora é diferente. Deixar o cabelo do sovaco crescer e ficar pedindo liberdade para a mulher aí. Ora, meu Deus do céu. Será que cada madame que anda defendendo a liberdade aí não é melhor ela pegar duas prostitutas e pagar um salário digno para elas trabalharem em sua casa fazendo limpeza? Você vê madame de sovaco cabeludo aí pagando 2500 cruzeiros p’ra empregada doméstica trabalhar das 8 da manhã às 8 da noite e ainda vir no sábado e domingo. Está querendo liberdade pro 'eu' e não têm liberdade para todo mundo. É fácil, sabe.

- E a tua mulher ?
- Minha mulher lá em casa não pede dinheiro para mim. Ela tem liberdade de chegar na minha carteira e pegar dinheiro. Só não entrego o envelope de pagamento pr’a ela, ela nem sabe quanto eu ganho... eu acho que liberdade não é a mulher fazer o marido lavar a louça. Ela ainda corta as unhas do meu pé. E não é por que eu obrigo, não, é porque o conceito de liberdade dela é muito diferente: é fazer aquilo que eu quero, é fazer aquilo que ela quer, sem que eu abra mão da minha liberdade. E o que muitas mulheres querem é liberdade colocando o homem como escravo. Eu acho que a mulher...

- É uma bosta!
- ... para ter liberdade, ela conquista dentro de casa essa liberdade e, sem fazer com que o marido abra mão...


- Eu não entendo muito bem porque eu não tenho saco pra agüentar homem. Eu não estou aqui para cortar unha de dedo do pé de homem nenhum, ele não é aleijado, ele que corte, porra!
- Mas você gostaria que um homem cortasse sua unha.

- Não, de jeito nenhum. não sou aleijada!
- Esse radicalismo está da língua para fora.

- Não está não. Pode parar! Pode parar! Pode parar!
- Se você chegasse em casa, de noite, cansada do trabalho, tomasse um belo banho...

- Aí eu tenho um filho da puta dentro de casa vivendo as minhas custas.
- ... tomasse o belo dum banho e deitasse no sofá e o maridinho...

- Aí eu não tenho marido, tenho um bicha, um desgraçado...
- Eu não sou contra esse negócio de lavar louça, não. Quem gosta, lava. Quem quer trocar crianças, troca. Eu não faço isso porque não tenho o costume de fazer, não vou fazer. Se isto é machismo, eu sou machista.


- Você é! É, está encerrado o papo. Você é um puto dum machista.
- Mas eu não acho justo eu saír de casa às oito da manhã e ainda fazer...

- Mas a Marisa fica lá socada, não sabendo nada do mundo.
- Reconheço que o trabalho da mulher é muito mais ...


- Maçante... é muito desgraçado, alienante.
- ... muito mais sofrido que o do homem. E reconheço que algumas trabalham só por anseios de independência, mas a maioria trabalha para não morrer de fome. Agora, nós precisamos ver o seguinte: universalmente sempre houve briga entre o trabalho do homem e da mulher. Em alguns países, isso está acontecendo no Brasil, quando se abre um campo de trabalho muito grande para a mulher é para baratear a mão-de-obra. Nós não podemos permitir que se use a mulher para isso. A gente não pode pensar em jogar a mulher no mercado de trabalho enquanto houver excesso de mão-de-obra. Meu medo é esse. E não é nem a mulher em si, é quanto à participação, o direito de trabalhar que todos nós temos.


- Ainda dentro do assunto mulher; tão aí com uma campanha muito grande, nacional, aproveitando as mulheres terem começado a tomar posições políticas sérias... muita gente séria começou a reivindicar creches, salários iguais, e então jogarão assim uma areia nos olhos das mulheres com essa campanha a favor ou contra a legalização do aborto. Como você vê isso ? P’ra mim é jogada de areia.
- Como homem casado que sou, tenho uma mulher, eu sou favorável à legalização do aborto. Eu acho que tudo o que é proibido é pernicioso. Proíbem a maconha e ela anda dentro da delegacia, como vi um delegado dizer. Proíbe-se não sei o que lá e as coisas estão acontecendo por aí. Proíbe-se aborto e as menininhas que conseguem iludir alguns homens...



- Coitadinhos dos homens... me vê um lenço que eu vou chorar de pena dos homens ...
- São poucos os homens que têm cara-de-pau de cantar uma mulher sem que ela dê motivo... Eu acho que a legalização do aborto foi evitar que, a coisa sendo proibida, as mulheres vão nas benzedeiras da vida, que estragam muitas, estragam o organismo. Então eu acho que deveria ser legalizado, mas acho que o aborto é uma questão também de consciência, de formação, de cultura de um povo.


- Você deixaria tua mulher fazer um aborto ?
- Não. Se ficar grávida, tem que ter. Agora, eu tenho que respeitar também a vontade dela. Se ela achar que não dá...


- Um pedido que eu faço: antes de você fazer qualquer pronunciamento a esse respeito, sendo hoje um mundo líder nacional, pense muito bem.
- Eu nunca conversei com Marisa sobre isso. Depois desta entrevista eu vou conversar com ela. E o posicionamento que a Marisa achar que deva ser, depois de discutir muito com ela, é o posicionamento meu, o oficial. Quando eu falar agora, eu falo em nome da minha mulher.


- Lula, você é muito moço: como você vê o retorno dos velhos políticos? Dez anos pesam pra caramba. Eu vi o Brizola, que foi um sujeito mais ou menos importante nesse país durante 15 anos, e ouviu os Vargas todos, eu vi toda essa cambada que está voltando aí. E que está voltando endeusada, dizendo as mesmas coisas e muita gente aplaudindo.
- Eu acho que a gente não pode desrespeitar, não pode deixar de ...


- Ouvir os mais velhos. Não me venha com essa conversa!
- Eu acho que a gente não pode desrespeitar o que representam algumas figuras políticas do passado. Eu tenho algumas restrições à forma de heroísmo com que essas pessoas voltaram. Eu acho que herói, efetivamente, é a classe trabalhadora, que ficou aqui 15 anos padecendo da irresponsabilidade de algumas pessoas no passado. Eu acho que as pessoas podem voltar. O Brasil é o lugar delas, mas não venham querer cagar regras para a classe trabalhadora, não, que ela é muito mais vítima da revolução do que qualquer um deles.


- Eu vou te dizer alguns nomes, e gostaria que você fosse objetivo na resposta. Castelo Branco.
- Os ideais de Castelo Branco eram melhores do que os generais que o sucederam.


- Médici. - Eu acho que foi o propulsor da grande mentira brasileira.


- Figueiredo. A abertura aconteceu mesmo ?
- Você sabe que eu não discuto a questão do homem Figueiredo. Às vezes tenho a impressão de que Figueiredo é vítima de um regime que está aí e que com outra pessoa seria a mesma coisa.


- Golbery do Couto e Silva.
- Se ele é, efetivamente, o idealizador de tudo isso, então é uma pessoa perniciosa a sociedade brasileira.


- Mas os grandes movimentos de trabalhadores sempre foram inspirados por alguém de elite. O próprio Marx era um homem de elite, vivia com uma condessa. E Engels, o grande injustiçado, era um operário que passava para ele o que precisava ser feito. Você acredita piamente que a classe trabalhadora hoje saiba caminhar sozinha sem necessidade desta elite, quando você mesmo já está fazendo concessões para essa elite deixando-se envolver no PT?
- Eu acho que a classe trabalhadora já consegue andar pelas próprias pernas.



- Um homem de sua grande admiração.
- Tiradentes.


- E uma mulher.
- Minha mãe.


- Por que? Porque anônima e lutou ?
- Eu sei que todo mundo dá valor à mãe, mas a minha mãe conseguiu criar cinco homens, todos casados, e três mulheres. Não criou nenhum bandido, nem marginal, e isso na maior miséria, na maior dificuldade. E hoje eu fico pensando na facilidade com que as mulheres querem que as coisas aconteçam. E fico pensando que as mulheres antigamente eram muito mais mulher, em todos os sentidos.


- Lula, qual é o teu signo?
- Escorpião.

- Haja deus!




Entrevista concedida à apresentadora de rádio e televisão Xênia Bier
e publicada na Revista Especial. nº 5 - abril de 80 (pág. 234 a 278)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Nona Entrevista - Folha de São Paulo

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* Apresentação

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Uma tomada e posição firme e clara a respeito da atuação dos partidos políticos brasileiros frente aos problemas da classe trabalhadora tem caracterizado, desde o início, os pronunciamentos de Lula. Nesta entrevista, mais uma vez ele expressa seu desapontamento pela omissão dos políticos diante das necessidades da classe trabalhadora. E aponta a falta de trabalhadores entre os parlamentares como a causa de os problemas da classe não serem levados devidamente à Câmara e ao Senado. Daí lula defender criação de um partido dos trabalhadores.
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Fala também da presença das Forças Armadas na vida política e aponta os aspectos negativos dessa presença, inclusive para as próprias Forças Armadas.
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- Que opinião você tem sobre a classe política brasileira? - Em primeiro lugar, a classe política hoje é muito elitista, bastante distanciada da classe trabalhadora. Ainda recentemente, em Brasília, foi decepcionante para nós constatar essa distância dos políticos em relação aos nossos problemas. Mas existem diferenças entre a situação e a oposição. A oposição está cumprindo o papel dela, de criticar os atos oficiais que não condizem com as necessidades do trabalhador. Por exemplo, seus integrantes estão frontalmente contrários ao decreto 1632 e às reformas. Por outro lado, os políticos da situação são obrigados a fazer tudo o que o governo quer. Assim, uns estão comprometidos com os trabalhadores e outros com as regras do jogo.
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Também acho que existem pouquíssimos representantes dos trabalhadores na Câmara e no Senado. Podemos contar, quando muito, meia dúzia de parlamentares que são trabalhadores, vieram do nosso meio. O MBD, é verdade, tem se mostrado bem mais acessível às reivindicação da classe trabalhadora e não poderia ser de outra forma, sendo o partido da oposição. Mas eu acho que, no bipartidarismo, é mais importante escolher o homem que se afina mais com os programas da classe trabalhadora. São esses homens que são escassos. Existem alguns. Devemos separar o bem do mal e não colocar tudo num mesmo saco.
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- É possível criar um partido dos trabalhadores agora, ou você acha que ainda está na hora das alianças do trabalhador com a classe política tradicional? - O problema é o seguinte: eu continuo com a teoria de que, enquanto o trabalhador votar no patrão para que ele proteja nossos interesses, a situação não vai se alterar. Acho que a classe trabalhadora terá que se preparar politicamente para agir politicamente. E realmente penso que a classe trabalhadora deverá fazer um partido político nessa caminhada e um partido que terá mais chance de vencer do que qualquer outro. Um partido político será a saída para a gente e também para outras camadas - todos que são trabalhadores, que vivem de salários, deveriam participar. Falta muito para chegarmos ao estágio do partido político, mas estou convencido de que o caminho é esse. A viagem de algumas lideranças sindicais a Brasília foi um primeiro asso, mas o ideal seria a presença de gente nossa lá, que imediatamente tomasse a posição adotada aqui pelas bases. Há uma confusão quando se fala de participação política. O que eu quero dizer é que os sindicatos de trabalhadores devem exercer uma infuência sobre toda a classe política.
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- As reformas políticas do governo Geisel trazem alguma esperança para a classe trabalhadora? - Essas reformas confirmaram algumas coisas que venho pregando: há muita gente aí que fala em democracia e fala contra a democracia relativa, mas também muita gente que quer a democracia relativa, uma democracia só para eles, sem incluir os trabalhadores. Essa preocupação eu tenho em nome da classe trabalhadora. Há muita gente dentro do partido do governo que não tem coragem de votar contra o decreto 1632. Para eles, a classe trabalhadora só tem direito de produzir, não tem direito de usufruir do que produz.
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- Você tem alguma esperança de que a candidatura do general João Batista Figueiredo, pela Arena, ou a do general Eules Bentes Monteiro, pelo MDB, tragam benefícios concretos aos trabalhadores? - Eu acho que o candidato ideal à presidência da República seria aquele que, escolhido no meio do povo, fosse eleito pelo voto livre e direto da nação. Como trabalhador que sou, impossibilitado de escolher o presidente da República, faço votos que o colégio eleitoral escolha o melhor dentre os dois candidatos indiretos.
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- Como você vê a atuação política dos militares dentro do regime brasileiro? - Num regime democrático normal, os militares, como qualquer outro cidadão, devem participar, concorrer a eleições, etc. Agora, quero chamar a atenção das Forças Armadas para um aspecto muito importante. No mundo inteiro, as Forças Armadas são admiradas pelo povo, porque seu papel principal é assegurar a paz no país, contra ameaças externas. Então, a sociedade em geral admira a abnegação e o esforço dos militares. O que me preocupa é que no Brasil os militares assumiram tantos postos de comando que a culpa de tudo o que acontece de ruim recai sobre eles. Isso é extremamente negativo.
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Já tive oportunidade de conversar com altas autoridades das Forças Armadas no Brasil, e notei que o desconhecimento dos problemas da classe trabalhadora é muito grande. Acho que é importante que os militares deixem de ver os trabalhadores como os únicos responsáveis pela paz social, e que considerem também os empresários como um lado da questão. Seria muito interessante que lideres sindicais pudessem falar na Escola Superior de Guerra, que, a gente nota pelos jornais, é um grande foro de debates da situação nacional, e onde os empresários falam.
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Gostaria de falar na ESG porque seria uma oportunidade para mostrar aos militares que a classe trabalhadora está muito mais interessada na grandeza do Brasil, na criação de um país que seja realmente uma potência, do que a maioria dos empresários, que só pensam nos seus lucros, esquecendo suas obrigações com a nação.
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- Como se resolverá o problema do peleguismo na estrutura sindical brasileira? - Só acabaremos com o pelego quando, livremente, pudermos decidir a configuração de uma nova estrutura sindical para o Brasil, com a participação da classe trabalhadora nessa confecção. Só então poderemos acabar com o comodismo que existe no sindicalismo brasileiro, quando os presidentes de sindicatos não forem mais donos das eleições, quando todas as chapas concorrentes tiverem o mesmo direito de participação.
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- O que separa a classe trabalhadora do governo ? - O que separa o trabalhador do governo é principalmente o modelo econômico implantado que só beneficia as empresas, prejudicando os operários. Nos conflitos que aparecem, o governo, na maioria das vezes, toma o partido dos empresários, sem perceber que só haverá realmente paz social quando existir equilíbrio entre o capital e o trabalho. A prova disso está aí para todo mundo ver: em todos os países desenvolvidos existe esse equilíbrio, o governo não toma sempre o partido dos empresários.
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- Que condições mínimas o governo precisa oferecer para o nascimento de diálogo com os trabalhadores? - O fundamental realmente é a liberdade e a autonomia sindical, com o governo interferindo no relacionamento entre as empresas e os trabalhadores somente quando chamado. Ou seja, que o governo deixe de tutelar a classe empresarial e a classe trabalhadora, como faz até agora. Você veja, quando a inflação aumentou muito, os trabalhadores foram os prejudicados. Nossos salários foram arrochados, as greves foram proibidas e, nem por isso, a inflação diminuiu. Acho que se o governo entendesse, por exemplo, que estamos suficientemente preparados para defender nossos direitos, compreendesse que os trabalhadores são verdadeiros patriotas que se sacrificam pelo desenvolvimento nacional, e que só reivindicamos uma participação justa na riqueza, as coisas ocorreriam melhor. Para isso, é preciso que o governo deixe de fixar índices de aumento salarial que não correspondem à realidade, que são inferiores à inflação e à produtividade dos operário. As negociações diretas entre patrões e empregados são mais realistas; nós sabemos o que podemos pedir, também não queremos aumentos absurdos, que levem os empresários a fechar suas fábricas, porque precisamos trabalhar para sobreviver.
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- Em l976, você dizia que Arena e MDB são iguais, porque há trabalhadores na Arena e patrões no MDB. Depois disso você modificou um pouco sua posição, ou continua com uma visão algo obreirista do processo político? - Sempre tive uma preocupação com os políticos e os intelectuais, porque a história nos mostrou que a classe trabalhadora foi usada e não se beneficiou com isso. Continuo com o mesmo ponto de vista: a classe trabalhadora deve caminhar com suas próprias pernas. Existem certas lutas que a classe trabalhadora deve encaminhar sozinha, como existem outras que não são apenas nossas, mas de toda a nação, Nesses, casos, nós podemos nos aliar a ouros setores sociais.

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- Por exemplo. - Por exemplo, uma greve por maiores salários. Acho que a classe trabalhadora não tem por que se aliar a estudantes, intelectuais e políticos nesse caso, Já reivindicação pelo estado de direito democrático é de interesse de toda a nação, podemos então lutar em comum.
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- Explique melhor como é esse partido do trabalhador que você tem na cabeça. Só entra operário? Alguém mais entra ? A estrutura será baseada na do extinto PTB? - Primeiro, há uma diferença muito grande em achar que deve ser de uma maneira e saber se na realidade é possível ser dessa maneira. Eu não tenho um partido na cabeça. Quando falo em partido, não falo em partido trabalhista, mas em partido do trabalhador. Nada parecido como extinto PTB, que, pelo que sei, era composta também por patrões. Acho que devemos começar pela participação política do trabalhador, sem prevenção contra ninguém, sem discriminar siglas. É essa participação que vai canalizar depois para a criação do partido.
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Nesse período, temos que nos preocupar com a identificação de políticos que estejam dispostos a levantar nossas bandeiras, porque também não podemos abandonar nossos sindicatos para disputar eleições legislativas. É preferível, atualmente, buscar esses políticos mais identificados com a classe trabalhadora. Existem pessoas assim no Brasil. Ao mesmo tempo, vamos tentar renovar essa estrutura sindical questionando os dirigentes omissos.
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Ainda acho que as autoridades deveriam levar a sério os dirigentes sindicais autênticos. Porque posso dizer, sem medo de errar, que os dirigentes omissos que cercam o governo, que querem enganar a classe trabalhadora e o governo, todos estão mentindo. Se alguém diz ao governo que o trabalhador está satisfeito, esse alguém está mentindo. É por isso que as autoridades deveriam dialogar com os dirigentes autênticos, porque não nos interessa enganar nem o governo nem as nossas bases.
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Folha de São Paulo, 24 de setembro de l978. Entrevista concedida a Getúlio Bittencourt
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