sábado, 11 de fevereiro de 2012

Entrevista a 'Em Tempo'




10 a 16 de janeiro de 1980.
Lula concedeu esta entrevista três meses antes da greve decretada pelos metalúrgicos no dia 1o. de abril de l980. Aqui ele fala das inovações introduzidas na campanha salarial do ano.
A proposição de estender a luta dos trabalhadores para outros pontos, além da reivindicação por um percentual de aumento, é a primeira inovação apontada por Lula. Ele passa a falar então sobre esses outros pontos e a explicar por que eles são importantes. Analisa também as possibilidades de vitória, faz considerações sobre a mobilização dos trabalhadores em torno das novas reivindicações e fala de sua expectativa quanto à greve nessa campanha.



- Tem sido dito que a campanha de São Bernardo, para o próximo ano, vai inovar em termos do que vem ocorrendo até agora neste ciclo grevista. Como é que está a coisa?
         - Além das reuniões por empresa que cada diretor do sindicato vem fazendo, tirando nomes de companheiros que serão os porta-vozes das propostas do sindicato dentro da empresa e que vão integrar as comissões de negociação, nós estamos tentando inovar, mostrando para o trabalhador que existem algumas brigas mais sérias do que simplesmente por um percentual. Nós temos dito que não adianta o trabalhador obter um bom aumento, se daí a um certo tempo ele é dispensado e quando se emprega novamente volta a receber 40% ou 60% a menos do que antes.
          Em função disto vamos tentar dar ênfase à garantia do emprego e ao salário profissional.
          No Brasil não existe uma definição profissional. Existe aquela feita pelas empresas, mas não uma que o trabalhador apresenta e luta por ela e a reconheça. As empresas dividem os trabalhadores como bem entendem e instauram assim uma concorrência entre eles. E mais, dentro de uma mesma definição profissional estabelecida pela empresa, por exemplo, a de ferramenteiro, você encontra salários desde Cr$ 59,00 até Cr$ 103,00 por hora.
          Este trabalhador de Cr$ 103,00, quando despedido, volta a se empregar com um salário muito mais baixo. Enfim, o trabalhador está sempre começando da estaca zero.
          É como na brincadeira do pau-de-sebo. As empresas colocam o salário teto no alto e põem os trabalhadores brincando de quem chega lá em cima. Assim, vamos lutar na campanha para estabelecer um salário profissional que seja a média dos salários existentes; ou seja, um piso profissional. Não vamos estabelecer um teto, pois isto é questão de capacidade ... de briga dos trabalhadores, é questão da oferta e da procura.
          Esta conquista tem outro lado, que é o de diminuir o medo do trabalhador de ser mandado embora da empresa, uma vez que ele sabe que seu novo emprego não irá remunerá-lo irrisoriamente.
          Enfim, há várias reivindicações que estão latentes no interior das empresas e que devem ser levadas em conta. Por exemplo, a oferta de transporte para o trabalhador, por todas as empresas. Há um mundo de safadagens dentro das empresas que tem que vir à tona.

- Você acredita que estas reivindicações tenham mais chances de vitória?
         - Isto não; toda reivindicação é uma luta. Esta agora é mais sustentável nas discussões com os patrões. Um percentual de 90%, por exemplo, é mais retrucável pelo empregador dizendo que não agüenta, que o culpado das perdas foi o governo, etc. Agora, o piso profissional se escora na lei que diz que para trabalho igual, salário igual.


- Você acha que este tipo de campanha mobiliza mais? Qual sua excpectativa quanto às futuras assembléias?
          - Esta campanha será mobilizadora a partir do momento em que tivermos capacidade de mobilizar os trabalhadores . Aqui em São Bernardo há uma certa frustração das pessoas que se habituaram a ver, durante 15 dias, 90000 pessoas em assembléias. E as pessoas já têm dificuldades em fazer reuniões com pequeno número de trabalhadores. Mas 90000 em um campo de futebol é um resultado de anos de pregação. E quando começam os métodos novos, com inovações na campanha, há que dar tempo. Mas o importante é a criação de uma consciência de reivindicações nos trabalhadores. Por exemplo, o trabalhador tem que compreender bem a figura do delegado sindical; ela tem que deixar de ser uma reivindicação apenas de dirigentes.


 Qual sua espectativa quanto à greve na campanha?
          - Estamos preparando uma campanha salarial e os resultados dela é que levarão ou não os trabalhadores à greve. Todos gostaríamos de fazer um bom acordo sem ser necessário chegar à greve, pois a greve não é um fim, mas sim um meio para se conseguir determinados acordos sem greves. Agora não sei a forma em que será feita a greve. Vamos jogar algumas idéias para os trabalhadores e vermos se é possível chegarmos a algumas formas de pressão dentro das empresas antes de chegarmos às greves gerais.


 Em Tempo, 10 a 16 de janeiro de l980




Um comentário:

Ferra Mula disse...

Passei por aqui e gostei do que vi e li

Airton