quarta-feira, 4 de março de 2009

Quinta Entrevista - Folha de São Paulo / 78

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4 de junho de 78

O que podemos observar na entrevista abaixo:
1 – Luís Inácio admite e aprova a ilegalidade Ao dizer que “O ato de ela ter sido julgada ilegal já perdeu o valor, porque o trabalhador a tornou legal, a partir do momento em que a praticou”. Nesta frase demonstra sua falta de seriedade. Pensar que a prática de algo ilegal o torna legal, é uma deformação de valores, é o desprezo pelo certo ou errado. Isso é confirmado logo abaixo quando afirma que “Se o trabalhador ficasse estudando a lei de greve, jamais faria a greve.”
2 – Mente, se esquiva da responsabilidade e evita respostas diretas ▪ Não assume a greve que instigou ao recusar a participação no último dissídio salarial. Como de hábito, joga a responsabilidade da resposta para os outros : “ Quem acompanhou o sindicato ... pode fazer um julgamento melhor do que eu.”) ▪ Diz que o sindicato não declarou a greve, mas admite que procurou “levar mensagens ao trabalhador, fazendo com que ele sentisse a necessidade de chegar às paralisações”. ▪ Comenta sobre a necessidade da criação do fundo desemprego, se escuda em outros países que já têm tal recurso e responde de maneira dissimulada sobre o seu objetivo: “quem sabe, ele sirva até para a sustentação de uma greve”.
3 - Dá a nós, cidadãos, uma lição quando afirma que se nós não temos força para exigir, precisamos nos fortalecer para poder exigir; ao dizer que é possível chegar a uma organização para defender aquilo que é nosso; comenta sobre a necessidade de união para brigar.
4 – Luís Inácio elogia o governo na época que não interferiu na luta entre trabalhadores e empregadores: “ Foi uma posição acertada, deixar que trabalhador e empregador resolvessem seus problemas.”. No entanto, como presidente, quer interferir na necessidade de algumas empresas demitirem funcionários por causa da crise econômica mundial.

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Dez anos depois da greve de Osasco, em l968, a tensão a que chegara a classe trabalhadora era maior do que os estreitos limites da legislação trabalhista imposta pelo poder. E as máquinas começam novamente a parar. Desta vez são os metalúrgicos de São Bernardo que, não suportando mais 15 anos de arrocho salarial, reiniciam a luta por reajustes que reponham o poder aquisitivo perdido. E os donos do poder, já esquecidos de que a classe trabalhadora existia, tiveram que admitir que ela “é parte viva da nação e, como conseqüência disso, ela tem que ser respeitada”. É essa greve de l978 que Lula analisa nesta entrevista. Dado o significado desta greve no movimento operário brasileiro, a análise feita por Lula reveste-se de particular importância. Ele fala da participação do sindicato na greve, das lições que tirou dessa participação, do exemplo que o trabalhador deu à nação da necessidade de um fundo de greve, etc. Mas, sobretudo, mostra que este fato representou um marco na abertura da política sindical, pois a partir daí e depois de muito tempo, operários e patrões passarão a sentar juntos à mesa de negociações, “quebrando uma barreira da política salarial do governo”.

- Você disse várias vezes que “chegará o momento em que a classe trabalhadora medirá forças com a classe empresarial”.  - Esse movimento deu provas disso?
- A única maneira de o trabalhador medir forças com a classe empresarial é com a paralisação. Eu, que mantive contato com vários empresários senti a diferença do comportamento deles antes e depois da greve; é muito mais fácil negociar com os empresários com as máquinas paradas.


- O que você achou do comportamento dos trabalhadores dentro das dentro das fábricas durante a greve? - O trabalhador deu uma boa demonstração de que greve não é baderna, deixando todo mundo perplexo. Mostrou que greve é um direito dele. O trabalhador deu demonstração de maturidade, parando sem fazer estrago algum.


- Nós não podemos dar um caráter anormal ao que aconteceu. A greve foi um fato normal. Foi uma manifestação da classe trabalhadora, que nada mais fez que, pura e simplesmente mostrar que ela existe, que é parte viva da Nação e, como conseqüência disso, e tem que ser respeitada. - Mesmo julgada ilegal você a considera normal? - Mesmo assim eu a considero normal, porque ela foi legítima. Talvez, por falta de hábito, muita gente viu a greve como algo anormal, fantástico. Na verdade, foi uma manifestação de uma classe, que tem como arma nas negociações, como força de barganha, a greve. O ato de ela ter sido julgada ilegal já perdeu o valor, porque o trabalhador a tornou legal, a partir do momento em que a praticou.


- O sindicato esperava por essas greves? - Não é de hoje que eu venho falando que as paralisações iriam acontecer. Apesar de o sindicato não ter decretado a greve, ele procurou levar mensagens ao trabalhador, fazendo com que ele sentisse a necessidade de chegar às paralisações. Quando estive como o senador Petrônio Portela, no começo do ano, fiz questão de falar que isso era irreversível, que uma tomada de posição como essa seria irreversível. Pra mim não nenhuma novidade.

- Quais as formas de atuação do sindicato nas greves? - São as que o de são Bernardo usou. Todas as vezes em que o trabalhador precisou do sindicato ele compareceu, negociando em nome do trabalhador. Por outro lado, eu acho que nós precisamos deixar de apenas criticar a estrutura sindical. Devemos partir pra fazer as coisas. O trabalhador deu o exemplo de que é preciso parar de fazer suposições e partir para a ação, e foi o que ele fez. Se o trabalhador ficasse estudando a lei de greve, jamais faria a greve.



- Quais os vínculos do sindicato com os trabalhadores? - Eu acho que a base é o sindicato. O sindicato nada mais é do que a classe trabalhadora. Esta base é que faz o sindicalismo ser bom e atuante. O que a diretoria deve fazer é coordenar a atuação de suas bases, com propostas nascidas dos próprios trabalhadores.


- A campanha pela reposição salarial, a recusa do sindicato de participar do último dissídio foram fatores que ajudaram a deflagração da greve? - Quem acompanhou o sindicato na campanha de desmascaramento do dissídio coletivo pode fazer um julgamento melhor do que eu, que estava dentro da coisa.


- Para você a greve foi uma surpresa? E a duração? - Os trabalhadores da Ford, que ficaram sete dias parados, deram uma seqüência ao trabalho que os companheiros da Scania começaram. Eu não sei por que a grande imprensa não falou com ênfase da Ford. Eu acredito até que foi pelo fato de nem o sindicato nem a empresa e envolverem de imediato nos problemas dos trabalhadores, mesmo porque os operários da Ford estavam muito conscientes do que estavam fazendo. A empresa tentou fazer pressão para o trabalhador voltar a trabalhar, e não conseguiu. A Volks, onde só os ferramenteiros pararam, chamou mais a atenção da imprensa do que o pessoal da Ford. Na Volks houve muito mais atrito entre trabalhadores e empresa, e na Ford não ouve isso. Greve é uma coisa muito simples de fazer, é só desligar as máquinas, sem provocar ninguém ou obrigar a presença da polícia. Do jeito que os trabalhadores da Ford e da Scania se comportaram eu estava tranqüilo de que ninguém iria botar as mãos neles.


- Qual a lição que o sindicato tirou entre uma paralisação e outra? - O que deu para notar foi a falta de diretores. Às vezes estouravam quatro problemas de uma só vez e não tinha quem mandar para quatro empresas diferentes. Por outro lado, o sindicato aprendeu uma lição: eu sempre preguei à categoria, que as empresas não agüentavam mais de quatro dias paradas, e que com quatro dias paradas, elas todas se abririam para negociar. Mas eu percebi que, quanto maior a empresa mais ela agüenta. A Ford ficou uma semana, a Villares ficou o mesmo tempo parada, sem procurar o sindicato. E tem mais uma lição: a gente precisa criar o fundo desemprego. Ele faz parte do programa desta nova diretoria. Nós vamos tentar colocá-lo em prática o mais depressa possível.


- O fundo desemprego teria como objetivo a sustentação da greve? - O fundo desemprego existe em todos os países do mundo onde o sindicalismo é livre, onde é atuante, e, quem sabe, ele sirva até para a sustentação de uma greve.


- De onde sairia esse fundo? - Nós temos de criá-lo. Não podemos pedir a ninguém. Fica muito fácil a gente pedir. E muito difícil de realizar. O grande mal do sindicalismo brasileiro é exatamente este: querer criar o fundo desemprego; então, chega na época do dissídio e pede para as empresas uma participação no fundo. Se nós não temos força para exigir isso, precisamos primeiro nos fortalecer para poder exigir. Aí quem sabe a coisa comece a vir das empresas e até do governo. Nos fundos de desemprego que existem na França, na Alemanha, há a participação dos trabalhadores das empresas e do governo. Na Inglaterra, o fundo é gerado pelo trabalhador e pelo governo. Mas esse é um passo para mais tarde.


- Na sua opinião, o movimento foi completamente vitorioso? - Não, seria uma utopia da minha parte dizer que foi uma vitória completa, mesmo porque ao foi uma greve de toda a categoria.


- Poderia ter sido? - Poderia ter sido. O que atrapalhou foi o cerceamento do rádio e da televisão. O trabalhador escuta muito rádio, vê muito mais televisão do que lê jornais. Eu diria que foi uma vitória razoável para os trabalhadores que resolveram parar para conseguir alguma coisa. Em termos de abertura da política sindical, foi uma grande vitória. Significou sentar à mesa de negociação com os patrões, e eles, depois de muito tempo, assinaram um acordo, quebrando uma barreira da política salarial do governo.


- Qual foi o comportamento dos empresários desde o omeço da greve? - Os empresários, tanto os nacionais quanto os das multinacionais, continuaram intransigentes como sempre foram. Mesmo com as máquinas paradas, eles foram intransigentes .


- Como você compara o nível de organização dos empresários com o nível de organização dos trabalhadores? - Eu acho que os empresários estão muito mais organizados; aliás, como sempre estiveram. Podem ser concorrentes ou divergentes entre si, mas na hora de brigar com a classe trabalhadora os empresários estão sempre unidos. No momento, não dá para comparar a organização da classe empresarial com a da classe trabalhadora. Com esse movimento, a classe trabalhadora mostrou que é possível chegar a uma organização para defender aquilo que é seu. E quando a classe trabalhadora estiver preparada para parar em conjunto, ela vai ter chance de parar, porque os patrões irão negociar normalmente e não vão pagar para ver.


- Você recebeu apoio de sindicatos até do exterior. Que tipo de apoio recebeu dos sindicatos do Brasil? - Dos sindicatos de base nós recebemos bastante apoio. Mas de federações e confederações não houve nenhum. Quando muito, disseram que a greve era ilegal.


- Com a experiência que o sindicato de São Bernardo adquiriu nestes dois últimos anos, você acha possível a realização de um a convenção coletiva para o ano que vem? - Nós vamos preparar a classe trabalhadora para isso. Nós temos que preparar o trabalhador, se necessário for, até para parar as máquinas na época dos reajustes salariais. É possível chegar a uma convenção sem precisar parar as máquinas. Vai depender do bom senso da classe empresarial. O empresário sabe agora que o trabalhador faz greve.


- Como viu o comportamento do governo durante as greves? - Eu achei que o governo tomou uma posição política boa, salvo as notas dos ministérios da Fazenda e do Trabalho e alguns pronunciamentos de que a greve era ilegal. O governo praticamente não interferiu. Foi uma posição acertada, deixar que trabalhador e empregador resolvessem seus problemas.


 - Você esperava alguma manifestação dos políticos? - Eu nunca esperei. Quem está preocupado com os problemas dos trabalhadores é o próprio trabalhador.


- Muita gente achou que o sindicato deveria ter assumido a greve.
- É uma opinião que eu respeito. Entre o que a pessoa acha, entre o que eu acho e o possível, eu prefiro ficar com o possível.
 

Entrevista concedida a Júlio de Grammont






 

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